Tese de Conclusão de Curso para a minha Pós-Graduação Lato Sensu em Psicanálise
INTRODUÇÃO
A principal referência em saúde na sociedade contemporânea, a Organização Mundial de Saúde (OMS), define a saúde mental como um estado de bem-estar psíquico, que possibilita o indivíduo desenvolver habilidades pessoais para responder aos desafios da vida e contribuir com a comunidade (OMS, 2024).
A promoção da saúde mental e o tratamento de problemas dessa ordem são objetos de trabalho da área da psicologia. Uma das principais referências atuais na psicologia é a Associação Americana de Psicologia, que define a saúde mental como um estado de bem-estar no qual os pensamentos, sentimentos e comportamentos influenciam positivamente a vida do indivíduo (APA, 2010).
No Brasil, a principal referência na área de psicologia é o Conselho Federal de Psicologia, que considera a saúde mental como um estado de bem-estar psicológico e também biopsicossocial.
Quando esse estado de bem-estar é comprometido, gera problemas de saúde mental, que incluem transtornos mentais e comportamentais ou qualquer estado mental que gere sofrimento significativo (OMS, 2024).
Para restaurar a sanidade do indivíduo, é necessário que ele se submeta a um tratamento psicológico através da psicoterapia, que consiste em um método para tratar problemas de natureza emocional, visando remover ou modificar sintomas existentes, retardar seu aparecimento, corrigir padrões disfuncionais de relações interpessoais, bem como promover o crescimento e o desenvolvimento da personalidade (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2022).
Entre os diversos métodos utilizados para tratar a saúde mental, temos a psicanálise. A psicoterapia de abordagem psicanalítica surgiu no final do século XIX e desde então contribui com teorias, métodos e técnicas voltadas a compreender o sofrimento psíquico e promover o bem-estar mental dos indivíduos (ROUDINESCO; PLON, 1998).
Além disso, a psicanálise revolucionou a medicina com seu método inovador à época, consolidado nos dias atuais e adotado como protocolo oficial nos atendimentos médicos: ouvir os pacientes. Dessa forma, o conceito da cura psíquica modificou-se consideravelmente no intervalo de um século. (ROUDINESCO; PLON, 1998).
A partir de uma breve revisão bibliográfica das principais referências no tema, o objetivo deste trabalho é analisar as contribuições da abordagem psicanalítica freudiana para a saúde mental na sociedade contemporânea.
DESENVOLVIMENTO
A psicanálise é pioneira no estudo do sofrimento psíquico e na concepção de conceitos e técnicas para tratar problemas mentais, os quais tiveram grande relevância no desenvolvimento da psicologia. Seu fundador, Sigmund Freud (1856–1939), iniciou seus estudos da mente humana quando ainda era médico neurologista (ZIMERMAN, 1999).
Ao atender seus pacientes, percebeu que havia algo além dos sintomas físicos, então passou a ouvi-los para compreender melhor suas queixas e descobrir suas origens mentais para então poder tratá-las (FREUD, 1905/2019).
Isso revolucionou a medicina, pois é uma abordagem que vai além do diagnóstico, uma vez que cada indivíduo sente os sintomas de forma particular, não podendo generalizar, como enfatizaram Roudinesco e Plon (1998):
Uma das grandes revoluções da psicanálise foi abolir a separação tradicional entre o médico e o paciente. Ao dar a palavra ao paciente, e não à nosografia, e ao considerar que o próprio sujeito podia verbalizar seus sintomas […]. Mais do que eliminar os sintomas ou pretender erradicá-los, a psicanálise apontou o caminho para uma certa sabedoria: a cura equivale tanto a uma transformação quanto a uma aceitação de si mesmo (ROUDINESCO; PLON, 1998, p. 751).
Dessa forma, a psicanálise se tornou um método de psicoterapia cujo tratamento se dá pela fala do paciente, a qual revela seu inconsciente, ou seja, o conteúdo mental que está por trás dos sintomas. O trabalho do analista é interpretar esses conteúdos inconscientes e levar o paciente a compreender as origens dos seus sintomas, pois só assim é possível alcançar a cura (ROUDINESCO; PLON, 1998).
Para Freud (1926/1976) a palavra é o principal objeto de trabalho do psicanalista, como menciona em uma de suas obras:
“[…] Não desprezemos a palavra. Afinal de contas, ela é um instrumento poderoso; é o meio pelo qual comunicamos nossos sentimentos uns aos outros, o método pelo qual influenciamos as outras pessoas. As palavras podem fazer um bem indizível e causar feridas terríveis” (FREUD, p. 214).
Esse se tornou o único método para tratar problemas de natureza mental, como o próprio Freud afirma: “a psicanálise é o nome de um procedimento para investigação de processos mentais que são quase inacessíveis por qualquer outro modo” (FREUD, 1923/2006, p. 253).
Nesse contexto, o analista tem o papel de interpretar fatos e acontecimentos cotidianos relatados, fazendo com que o paciente perceba conteúdos nunca percebidos anteriormente e compreenda suas dores. Ao ter essa compreensão, é possível lidar com as questões e fortalecer a mente, como Ferreira (2010) nos explica:
“Muito mais do que o conceito de cura, a psicanálise propõe o conceito de fortalecimento mental. Uma mente fortalecida será aquela que lidará com as vicissitudes que pontuam a vida de todo ser humano neste planeta. A maneira como lidamos com as diversas perdas e frustrações que enfrentamos ao longo da vida é diretamente determinada pelo nosso potencial mental e isso significa uma mente forte que permitirá que não venhamos a sucumbir em meio a dor e ao sofrimento de viver” (p. 92).
A partir dessa concepção, o inconsciente se tornou o principal objeto de trabalho da psicanálise, representando o mundo interior do indivíduo, em contraste com o consciente, que representa o mundo exterior, dando origem ao conceito de aparelho psíquico (ZIMERMAN, 1999).
O aparelho psíquico sistematiza a organização e o funcionamento da mente humana, a partir de três instancias: id (impulsos e desejos do inconsciente), ego (mediador entre o inconsciente e o consciente) e o superego (moralidade internalizada) (FREUD, 1940/2014).
Podemos considerar, então, que o conceito de saúde mental na perspectiva psicanalítica consiste no equilíbrio do aparelho psíquico, ou seja, quando indivíduo consegue conciliar as três instâncias (FREUD, 1940/2014).
Ao contrário, quando há conflito entre o id, o ego e o superego, surge uma desordem no aparelho psíquico, resultando em sintomas que comprometem o bem-estar. Dessa forma, o indivíduo precisa passar pela análise psicanalítica para restaurar seu estado mental (FREUD, 1940/2014).
Diferente de uma visão mais restrita de ausência de doença, a saúde mental, na psicanálise, envolve a capacidade de uma pessoa manter uma dinâmica equilibrada entre seu mundo interno (inconsciente) e o mundo externo (realidade). Para tanto, o indivíduo precisa se conhecer e compreender o que sente para manter o equilíbrio e evitar conflitos e o surgimento de sintomas (FERREIRA, 2010).
A respeito disso, Freud nos diz:
Volte seus olhos para dentro, contemple suas próprias profundezas, aprenda primeiro a conhecer-se! Então, compreenderá por que está destinado a ficar doente e, talvez, evite adoecer no futuro (FREUD, 1918/1996, p.90).
Quando uma pessoa se conhece, através da análise psicanalítica, ela vive melhor, pois esse conhecimento a torna apta a enfrentar as adversidades da vida (FERREIRA, 2010).
O método psicanalítico consiste, então, em observação, investigação e interpretação. O analista observa o paciente e busca encontrar sintomas, investiga seu estado mental a partir da escuta de suas queixas e interpreta os conteúdos relatados (FREUD, 1893/1996).
Entre as técnicas para realizar esse trabalho, estão as associações livres, a atenção flutuante, a interpretação das queixas e a análise dos sonhos. Um dos principais objetos de trabalho são os mecanismos psíquicos por trás de situações cotidianas aparentemente banais, que revelam o inconsciente, conhecidas como psicopatologia da vida cotidiana (FREUD, 1901/1996).
Na obra “Sobre a Psicopatologia da Vida Cotidiana”, Freud (1901/1996) apresenta diversos exemplos de expressão do inconsciente que revelam sintomas de conflito psíquico, os quais podem ser tratados na análise.
Dessa forma, Freud descobriu os principais conteúdos que geram conflitos ou sofrimento psíquico nas pessoas, os desejos reprimidos e/ou memórias bloqueadas no inconsciente, por serem traumáticos ou gerarem desconforto (NASIO, 2019).
Ao tornar consciente esses conteúdos inconscientes, o paciente pode compreender o que significam e então ressignificar as experiências que os geraram (NASIO, 2019).
O processo terapêutico para alcançar esse objetivo consiste na exploração da fala do paciente, ao ser ouvido pelo analista, ele é acolhido e pode dar sentido ao que antes era doloroso e desconhecido (NASIO, 2019).
Segundo Freud, toda produção mental, real ou não, tem um sentido e se manifesta na vida do indivíduo, inconscientemente na maioria das vezes, e pode causar conflitos na vida pessoal e sofrimento psíquico (NASIO, 2019).
Por se tratar de algo inconsciente, o paciente não compreende o que sente e, dessa forma, se torna refém de sua influência, se não explorar essa parte desconhecida da mente, pois pode afetar a forma como pensa, sente e age (NASIO, 1999).
A abordagem psicanalítica auxilia o paciente a tornar consciente todos esses conteúdos, ouvindo seu discurso e buscando resgatar as memórias bloqueadas e desejos reprimidos relacionados aos sintomas (NASIO, 1999).
Ao fazer isso, o paciente pode dar um sentido para esses conteúdos, enfraquecendo ou removendo os sintomas e conflitos decorrentes deles (NASIO, 1999).
Cada sessão da psicoterapia de abordagem psicanalítica, se propõe a explorar o inconsciente ao ouvir o paciente relatar livremente o que sente. O terapeuta, por sua vez, busca padrões ou eventos recorrentes do passado que possam desempenhar um papel nos seus problemas atuais (NASIO, 1999).
A relação entre o paciente e o analista, chamada de transferência, exerce um papel fundamental no processo terapêutico, pois o indivíduo projeta no analista seus sentimentos. Em outras palavras, o paciente substitui uma figura relacionada aos seus conflitos pelo analista, facilitando a compreensão do que sente (SILVA, 2022).
Dessa forma, o paciente consegue atualizar seus sentimentos em relação a eventos passados, lançando um novo olhar e significado, configurando o início do processo de cura (SILVA, 2022).
Ao longo da história, a psicanálise orientou os analistas a aplicarem essas técnicas para ajudar seus pacientes a recuperarem a saúde mental, as quais são utilizadas até hoje (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PSICANÁLISE DE SÃO PAULO, 2024).
Atualmente, existem milhares de sociedades, associações e escolas de psicanálise em todo o mundo, visando disseminar os conhecimentos e técnicas psicanalíticas, formar e habilitar profissionais, assim como realizar estudos na área com a pesquisa e a produção de artigos científicos, para adequar e aplicar a psicanálise na realidade da sociedade contemporânea.
CONCLUSÃO
A psicanálise promove o autoconhecimento, o reconhecimento de emoções e comportamentos disfuncionais que impactam a vida pessoal, profissional e relacional, bem como as doenças psicossomáticas que impactam o corpo físico, e busca recuperar o estado de bem-estar nesses âmbitos através do fortalecimento mental.
Ao sistematizar o funcionamento da mente humana e conceber teorias e técnicas, Freud ajudou a compreender melhor o sofrimento psíquico e tratar os sintomas através da psicanálise.
Desde a origem da psicanálise, milhares de psicólogos e psicanalistas adotaram o método psicanalítico para tratar seus pacientes, além de aperfeiçoarem ao longo dos anos suas teorias e técnicas, que até o presente são utilizadas para promover a saúde mental.
Embora a psicanálise tenha mais de cem anos de existência, segue em constante atualização para se adequar a realidade contemporânea e nunca perde sua relevância nos debates sobre saúde mental.
O presente trabalho abordou os conceitos essenciais da abordagem psicanalítica para ter uma visão geral de sua contribuição para a saúde mental, mas a vasta obra de Freud contribui para a sociedade até os dias atuais, através de estudos e formações na área.
REFERÊNCIAS
AMERICAN PSYCHOLOGICAL ASSOCIATION (APA). Dicionário de psicologia. Porto Alegre: Artmed, 2010.
CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Reflexões e orientações sobre a prática da psicoterapia. Disponível em: https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2023/06/caderno_reflexoes_e_orientacoes_sobre_a_pratica_de_psicoterapia.pdf. Acesso em: 14 nov.2024.
FERREIRA, L. Psicanálise: o que ela pode fazer por você. Barueri: Sá Editora, 2010.
FREUD, S. (1893) Primeiras publicações psicanalíticas. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
FREUD, S. (1901) Sobre a psicopatologia da vida cotidiana. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
FREUD, S. (1905) Fragmentos de uma análise de histeria [O caso Dora]. Porto Alegre: L&PM Editores, 2019.
FREUD, S. (1918) Uma dificuldade no caminho da psicanálise. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
FREUD, S. (1923) Dois verbetes de enciclopédia. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
FREUD, S. (1926) A questão da análise leiga. In: Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud Vol. XX. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
FREUD, S. (1940) Compêndio da psicanálise. Porto Alegre: L&PM Editores, 2014.
NASIO, J. -D. Como trabalha psicanalista?. Rio de Janeiro: Zahar, 1999.
NASIO, J. -D. Sim, a psicanálise cura!. Rio de Janeiro: Zahar, 2019.
ROUDINESCO, E.; PLON, M. Dicionário de psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
SILVA, A. B. Técnicas de atendimento em psicanálise. Guaçuí: Ed. do Autor, 2022.
SOCIEDADE BRASILEIRA DE PSICANÁLISE DE SÃO PAULO. Formação psicanalítica. Disponível em: https://www.sbpsp.org.br/formacao-psicanalitica/formacao/#conteudo. Acesso em: 14 nov. 2024.
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS). Saúde mental. Disponível em: https://www.who.int/health-topics/mental-health#tab=tab_1. Acesso em: 14 nov. 2024.
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS). Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-11). Disponível em: https://icd.who.int/browse/2024-01/mms/pt. Acesso em: 14 nov. 2024.
ZIMERMAN, D. E. Fundamentos psicanalíticos. São Paulo: Artmed, 1999.
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