Trabalho de Conclusão de Curso para minha Graduação em Psicologia (2018).
RESUMO
O objetivo deste trabalho é compreender a ansiedade e a agressividade à luz da teoria psicanalítica, bem como investigar a relação existente entre ambas. O método utilizado para a pesquisa foi a revisão narrativa, a qual se propôs a abordar os estudos dos principais teóricos da área acerca do tema. Partindo de Freud, os resultados encontrados complementam um ao outro, visto que os seus sucessores aperfeiçoaram e atualizaram seus estudos sobre cada conceito abordado. A relação existente entre a ansiedade e a agressividade está associada às pulsões, no que se refere a busca por satisfação existente na concepção de prazer-desprazer. O objeto também caracteriza um aspecto em comum nesta relação, uma vez que é por meio dele que se concretiza a satisfação, presente tanto na ansiedade quanto na agressividade. Assim, foi possível perceber que há indícios de que indivíduos acometidos pela ansiedade tendem a manifestar-se por meio de uma agressividade destrutiva. Entretanto, se torna relevante realizar novas pesquisas a fim de se chegar a um resultado mais fidedigno.
INTRODUÇÃO
De acordo com a Organização Mundial da Saúde, a ansiedade acomete 9,3% da população brasileira, o que representa aproximadamente 18 milhões de pessoas. Os fatores que estariam envolvidos nesse alto índice, envolvem a situação econômica do país, a desigualdade social e a pobreza, o desemprego e fatores ambientais, como o estilo de vida das grandes cidades (OMS; ESTADÃO, 2017).
No CID-10 a ansiedade está catalogada em três sessões: Transtornos da ansiedade orgânicos (F064); Outros transtornos ansiosos (F41), categorizados em: F410 – Transtorno de pânico [ansiedade paroxística episódica], F411 – Ansiedade generalizada, F412 – Transtorno misto ansioso e depressivo, F413 – Outros transtornos ansiosos mistos, F418 – Outros transtornos ansiosos especificados, F419 – Transtorno ansioso não especificado; e Distúrbio de ansiedade social da infância (F932).
Segundo o Manual Estatístico e Diagnóstico de Transtornos Mentais (DSM-5), os transtornos de ansiedade referem-se a antecipação de uma situação de ameaça, caracterizada pelo sentimento de medo e perturbações excessivas. Porém, o medo se apresenta diante de uma situação ameaçadora imediata real e percebida, acionando o mecanismo de luta e fuga, enquanto a ansiedade em si está associada a antecipação de uma ameaça futura, apresentando tensão muscular e vigilância constante, a fim de prepara-se para um perigo futuro, e apresenta comportamentos de cautela e esquiva (APA, 2014).
A proposta deste trabalho é analisar a ansiedade sob a perspectiva da teoria psicanalítica, bem como realizar a associação com a agressividade e, assim, estabelecer uma compreensão mais ampla a respeito destes fenômenos psíquicos, considerando a psicanálise como o método terapêutico, criado por Sigmund Freud em 1986, que consiste em um tratamento por meio da fala, abordando o inconsciente do paciente com o auxílio de técnicas como a associação livre e a interpretação desta por parte do psicanalista (ROUDINESCO e PLON, 1998).
A ansiedade, de acordo com o Dicionário de Psicanálise, se relaciona à angústia, e se manifesta por meio da fobia. Sendo assim, a fobia trata-se de um sintoma que converte uma angústia em um terror imotivado frente a um objeto, uma pessoa ou uma situação que, à princípio, não apresentam um perigo real (ROUDINESCO e PLON, 1998).
A agressividade, segundo o Vocabulário de Psicanálise, refere-se à tendência ou conjunto de tendências que visam prejudicar o outro. Se manifesta a partir da atualização dessas tendências, por meio de comportamentos reais ou fantasísticos com o objetivo de destruir, humilhar ou constranger o outro (LAPLANCHE e PONTALIS, 2001).
Sendo a ansiedade e a agressividade dois fenômenos frequentemente presentes no psiquismo humano e que exercem importante influência em seu funcionamento e em seu comportamento, torna-se relevante investigar a relação existente entre ambos.
Na teoria psicanalítica, a ansiedade e a agressividade são frequentemente abordadas, o que torna a compreensão de ambas fundamental, bem como a possível relação e influência que uma tem sobre a outra. Ademais, não foram encontrados estudos que estabeleçam uma relação direta entre a ansiedade e a agressividade em psicanálise. Por meio deste trabalho, também é possível o aprofundamento dessas teorias já estudadas no decorrer do curso, as quais suscitaram o interesse de maior entendimento acerca do assunto.
OBJETIVOS
OBJETIVO GERAL
Investigar a relação entre a ansiedade e a agressividade na psicanálise.
OBJETIVOS ESPECÍFICOS
Compreender a angústia para a psicanálise; Depreender a agressividade para a psicanálise; Estabelecer uma articulação teórica entre ambas.
MÉTODO
TIPO DE ESTUDO
O método utilizado para a realização deste trabalho foi a revisão narrativa, a qual consiste em utilizar como fonte de informações a bibliografia, a partir de livros e artigos (eletrônicos ou revistas), para realizar a pesquisa. O intuito da revisão é obter os resultados de outros autores acerca do tema para fundamentar um determinado objetivo (ROTHER, 2007).
Os artigos de revisão narrativa se propõem a analisar a literatura, a fim de interpretar e realizar uma análise crítica, a partir da visão do autor. As revisões narrativas são publicações amplas, por se tratarem de uma descrição e discussão do desenvolvimento de um determinado assunto, com base teórica ou contextual (ROTHER, 2007).
Esse tipo de metodologia é apropriado para a educação continuada, pois proporciona a aquisição de conhecimento sobre o tema, e a atualização sobre o mesmo, de uma maneira rápida. Porém, não oferece respostas quantitativas e não se pode reproduzir os dados apresentados. O artigo de revisão narrativa é constituído por introdução, desenvolvimento, comentários e referências (ROTHER, 2007).
COLETA DE DADOS
Para a pesquisa foram utilizados livros de base da psicanálise que abordam o tema, dos seguintes autores: Sigmund Freud, Jacques Lacan, Donald Winnicott, Pierre Kaufman, Elizabeth Roudinesco, Michel Plon, Luiz Alfredo Garcia-Roza, Jean Birman, Jean Laplanche, Jean-Bertrand Pontalis e David E. Zimerman. Os critérios utilizados para a escolha dos estudos de cada autor para compor os resultados, teve como base a relevância de sua contribuição para a conceituação e compreensão do tema. O ano de publicação não foi considerado.
ANÁLISE DOS DADOS
Os conceitos de ansiedade e agressividade foram pesquisados e abordados de maneira separada, para então ser possível estabelecer uma relação entre ambos.
RESULTADOS
ANSIEDADE
Na tradução brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud, o termo ansiedade foi traduzido da palavra alemã angst, que pode significar medo, angústia, fobia e ansiedade. Sendo assim, quando se fala em ansiedade na psicanálise, está se falando em angústia e vice-versa (TOCHTROP, 1968).
Inicialmente, em seu primeiro artigo sobre a neurose de angústia, em 1895, Freud acreditava que a ansiedade estava relacionada com a descarga da tensão sexual, ou seja, a tensão acumulada se apresentava transformada em ansiedade, tratando-se de um processo físico sem vinculações psicológicas. Porém, a ansiedade que aparecia nas fobias e neuroses obsessivas indicava a influência de fatores psicológicos; sendo assim, Freud explicou esse fato considerando a repressão como fonte do acúmulo da excitação não descarregada (FREUD, 1996).
Após muitos anos sustentando essa teoria, em “Inibições, sintomas e ansiedade”, escrito em 1926, Freud questiona seu ponto de vista inicial. Passou a desconsiderar a ansiedade como libido transformada, e relacionou-a a uma reação frente a um modelo de situações de perigo. Porém, quando se tratava de neurose de angústia, ainda afirmava que se tratava da descarga da libido acumulada. Somente em 1933, em “Novas Conferências Introdutórias sobre Psicanálise”, chegou à conclusão de que também na neurose de angústia a ansiedade refere-se à uma reação a uma situação traumática, desconsiderando totalmente a descarga da libido transformada (FREUD, 1996).
A objeção referente à antiga teoria, teve como base a consideração de que o ego é a fonte da ansiedade, não mais o id, uma vez que se a libido rejeitada pelo ego encontrasse descarga em forma de ansiedade, teríamos que considerar a ansiedade como uma reação ao desprazer, e isso não está de acordo com a premissa de que o id busca prazer e não o contrário. Ao considerar o ego como fonte da ansiedade, vale ressaltar que sua energia é dessexualizada, confirmando que não há relação entre a ansiedade e a libido (FREUD, 1996).
A reação do ego a uma situação de perigo, na forma de ansiedade, ocorre a partir da simples ameaça de uma situação de perigo ocorrer, a fim de evita-la. A ameaça refere-se a uma experiência traumática de desamparo vivida, que se assemelha à atual (FREUD, 1996).
A ansiedade está relacionada a uma expectativa (anseio por algo), sendo assim, caracteriza-se pela indefinição e falta de objeto. Caso tenha encontrado um objeto, associa-se ao medo. Além de sua relação com o perigo, a ansiedade também pode associar-se à neurose (FREUD, 1996).
Freud faz uma distinção entre ansiedade realística e ansiedade neurótica. A realística refere-se ao medo de um perigo conhecido, real. Já a neurótica envolve um perigo desconhecido de origem pulsional. Sendo assim, o analista auxiliará o indivíduo a tornar consciente o perigo, igualando-se a ansiedade realística. Porém, o perigo real conhecido pode associar-se ao perigo pulsional desconhecido (FREUD, 1996).
Ao relacionar a ansiedade ao perigo, é preciso descobrir o significado de uma situação de perigo. A situação de perigo está ligada à percepção do indivíduo em relação à sua força frente ao tamanho do perigo e sua relação com o desamparo que a situação oferece. O desamparo é físico quando o perigo for real, e psíquico quando for pulsional. A reação à situação de perigo ocorrerá com base nas experiências reais de desamparo que o indivíduo vivenciou, as quais desencadearam um trauma. Sendo assim, há uma distinção entre uma situação de perigo e um trauma. A ansiedade relacionada à expectativa refere-se a uma situação de perigo, ao passo que a ansiedade vinculada a indefinição e falta de objeto está ligada a uma situação traumática de desamparo, onde a situação é prevista no momento de perigo (FREUD, 1996).
Para maior compreensão sobre a distinção entre as situações de perigo e trauma, Freud resume seu discurso em “Inibições, sintomas e ansiedade”:
“Uma situação de perigo é uma situação reconhecida, lembrada e esperada de desamparo. A ansiedade é a reação original ao desamparo no trauma, sendo reproduzida depois da situação de perigo como um sinal em busca de ajuda. O ego, que experimentou o trauma passivamente, agora o repete ativamente, em versão enfraquecida, na esperança de ser ele próprio capaz de dirigir seu curso” (FREUD, 1996, p. 158).
Sendo assim, a ansiedade refere-se à expectativa de um trauma e a repetição dele de maneira acentuada por parte do ego, a fim de proteger-se.
Em “Ansiedade e vida instintual”, de 1933, Freud retomou sua concepção acerca da ansiedade, sendo esse o último texto em que abordou o tema, concebendo a relação entre a ansiedade e a formação dos sintomas, se mostrando bastante relevante para a compreensão desse fenômeno, uma vez que ambas representam e substituem uma à outra. Porém, a ansiedade surge antes do sintoma, sendo que ele se apresenta como um meio de evitar a geração de ansiedade, ou seja, é substituída pela formação de um sintoma (FREUD, 1996).
A partir desta constatação, é possível compreender o que o indivíduo, de fato, teme. Trata-se da própria libido¹, considerando o perigo como algo interno e desconhecido à consciência. Diferente do perigo externo, que se pode evitar com a fuga, o perigo interno é difícil de fugir (FREUD, 1996).
A ansiedade trata-se de um estado afetivo, o qual reproduz um evento passado marcado pela ameaça de um perigo; sendo assim, ela tem a função de autopreservação, uma vez que sinaliza um novo perigo. Essa ansiedade surge da libido que não foi utilizada e é substituída por um sintoma vinculado, o que sugere a falta de um elemento que estabeleça uma conexão e unifique as partes (FREUD, 1996).
Outra conclusão que Freud chegou, no mesmo trabalho, foi a de que não é a repressão que desencadeia a ansiedade, pois ela já existia a priori e é ela a responsável pela repressão, não o contrário. Isso porque a ansiedade gerada devido às exigências da libido, associadas a um perigo interno a ser evitado, relaciona-se ao perigo externo que estas suscitariam, ou seja, o perigo interno se direciona a uma situação de perigo externo, e esse perigo real refere-se à perda do objeto (FREUD, 1996).
¹ A libido refere-se ao termo em espanhol que significa “desejo”. Freud utilizou o termo a fim de representar a sexualidade humana e a manifestação da pulsão sexual na vida psíquica (ROUDINESCO e PLON, 1998).
Em síntese, a ansiedade gera a repressão, a qual leva o ego a esforçar-se para evitar os impulsos indesejáveis, evitando, assim, uma situação de perigo. O sinal de ansiedade põe em ação o princípio de prazer-desprazer e exerce uma função no processo de repressão e a libido que não foi utilizada se modifica ou se mantém conservada (FREUD, 1996).
Por fim, é constatado que a ansiedade neurótica transforma-se em ansiedade realística e surge como um sinal de um perigo representado na mente do sujeito que fere o princípio de prazer, sendo assim, uma experiência traumática. O perigo temido na ansiedade é a repetição desse momento traumático, incompatível com o princípio de prazer, que visa evitar danos à economia psíquica ao não reviver a experiência desprazerosa. Com isso, se estabelece uma dupla origem da ansiedade: uma seria a consequência direta da experiência traumática, e a outra seria o sinal de ameaça à repetição dessa experiência (FREUD, 1996).
A ansiedade faz referência ao desprazer, associado a um estado de afeto, “provocado por um acréscimo de excitação que tenderia ao alívio por uma ação de descarga” (KAUFMANN, 1996, p. 36). Não somente se relaciona à descarga de uma tensão, mas também a possível ameaça de um perigo próximo, considerando o ego como único lugar da angústia. Sendo assim, ela manifesta o impacto de um trauma, onde se revela a relação entre o objeto e o desprazer que sofre o ego.
Freud apud Kaufmann (1996) explica de forma clara a relação do trauma e da ansiedade em sua conferência “A angústia e a vida instintiva”:
Estudando as situações perigosas, constatamos que a cada período da evolução corresponde uma angústia que lhe é própria: o perigo do abandono psíquico coincide com o primeiríssimo despertar do eu; o perigo de perder o objeto (ou o amor), com a falta de independência que caracteriza a primeira infância; o perigo da castração, com a fase fálica; e finalmente o medo do supereu, que ocupa um Iugar particular, com o período de latência (FREUD apud KAUFMANN, 1996, p. 36).
A releitura da teoria psicanalítica acerca da ansiedade realizada por Roudinesco e Plon (1998) indica que a ansiedade, enquanto angústia, se relaciona à fobia. Para Freud, a fobia era um sintoma presente nos distúrbios neuróticos, mais especificamente na neurose de angústia, onde os sintomas fóbicos se expressavam a partir da conversão da angústia em terror, sempre relacionados à sexualidade. O terror frente a animais, como no caso do pequeno Hans, indica que o objeto de fobia seria um substituto para questões de cunho sexual. A partir da análise deste caso, Freud constatou que em pelo menos um tipo de neurose a fobia estaria no centro, a qual se refere à neurose de angústia. Sendo assim, os terrores causados por animais em crianças, por exemplo, seriam os geradores do sintoma fóbico e, por consequência, da angústia.
O objeto da fobia refere-se a um significante, ou seja, “um elemento significativo da história do sujeito que viria a mascarar sua angústia fundamental” (LACAN apud ROUDINESCO e PLON, 1998, p. 244). O objeto significante tem origem em uma sintomatologia neurótica, o qual protege o desejo, garantindo que este não desapareça, característica da histeria ou neurose obsessiva.
De acordo com Zimerman (2007) a angústia se origina a partir de traumas (físicos e psicológicos) sofridos na infância, devido ao estado de desamparo que o indivíduo vivenciou. Todos os traumas estão associados à violência, a qual é manifestada por meio de uma agressividade destrutiva. Um dos fatores que levam a uma agressividade destrutiva é a “inter-relação entre o estado de desamparo e a consequente reação de violência, tanto em termos individuais, como também coletivos e sociais” (ZIMERMAN, 2007, p. 114).
A palavra “trauma” significa “ferida” de acordo com o grego, onde o termo teve origem. Essa ferida que afligiu o psiquismo do indivíduo leva a um estado de desamparo. Embora os conceitos de trauma e de desamparo tenham terminologias distintas na teoria psicanalítica, apresentam o mesmo significado. Com base na releitura acerca de trauma e desamparo, realizada por Zimerman (2007), baseada em diversos autores psicanalistas, pode-se chegar ao entendimento de que:
A noção de “trauma” conserva a ideia de que se trata de um conceito essencialmente econômico da energia psíquica: uma frustração frente à qual o ego sofre uma injúria psíquica, não consegue processá-la e recai num estado no qual sente-se desamparado e atordoado (ZIMERMAN, 2007, p. 113).
Os traumas psicológicos ficam registrados no ego do indivíduo, fazendo com que situações posteriores lhe pareçam ameaçadoras igual à que vivera, gerando pânico desproporcional ao inicial, e acabam representando o estado de desamparo sofrido naquela experiência, a qual acompanha uma intensa angústia (ZIMERMAN, 2007).
Lacan (1992) aborda a ansiedade correlacionando-a ao desejo, o qual considera o remédio para a ansiedade. Como base para esse raciocínio, utilizou o texto de Freud, “Inibição, sintoma e ansiedade”, retomando o estudo acerca do tema, a partir da concepção de que o sentido da ansiedade se dá na questão econômica, por meio da qual se percebe a manifestação da ansiedade, onde o ego retira o investimento pré-consciente do representante da pulsão, o qual deve ser recalcado, transformando-se, assim, em desprazer e ansiedade.
A angústia se produz no ego e seu sinal aparece na medida em que o indivíduo se relaciona com o objeto de desejo, o qual perturba o “eu ideal”, que teve origem na imagem especular. “O sinal de angústia tem uma ligação absolutamente necessária com o objeto do desejo. Sua função não se esgota na advertência de ter que fugir. Ao mesmo tempo em que realiza essa função, o sinal mantém a relação com o objeto do desejo” (LACAN, 1992, p. 352).
Para Lacan (1992) o desamparo caracteriza um estado onde o sujeito se encontra transtornado e não é capaz de enfrentar; assim, ao invés de empreender uma fuga da situação, a solução aparece em forma de angústia, a partir da expectativa que ela gera, ou seja, o sujeito espera poder se defender da situação antes que ela de fato ocorra. A angústia permite que o sujeito se mantenha próximo ao objeto, ao esperar com expectativa que este se aproxime novamente, sustentando, assim, sua relação com o desejo.
Como exemplo dessa relação, Lacan (1992) utiliza como exemplo o caso do pequeno Hans:
Ao mesmo tempo, a carência e a presença do pai – carência sob a forma do pai real, presença sob a forma do pai simbólico, invasor. Se tudo isso pode ocorrer no mesmo plano é que o objeto de fobia tem a possibilidade infinita de manter uma certa função em falta ou deficiente, que é justamente diante do que o sujeito sucumbiria se não surgisse, naquele lugar, a angústia (LACAN, 1992, p. 354).
Sendo assim, o sinal de angústia tem a função de advertir o sujeito, comunicar- lhe algo, a fim de impulsioná-lo a ir em busca do objeto de desejo e permanecer próximo a ele por meio de uma relação permanente.
AGRESSIVIDADE
A questão da agressividade apareceu na teoria freudiana com os casos Dora e do pequeno Hans, considerando-a como um sintoma e responsável por sua produção e reprodução. A agressividade pode ser compreendida a partir da pulsão de vida e da pulsão de morte, onde uma parte desta última estaria a serviço da pulsão de vida e seria desviada para o externo sob a forma de agressividade e sadismo.
A outra parte se encontra retida e vinculada à pulsão sexual, desencadeando, assim, o masoquismo erógeno. Assim, a agressividade participa da conservação da vida, devido à influência da pulsão de morte em favor da pulsão de vida.
A agressividade se apresenta também como uma afirmação de vida, sem ela a morte se apropriaria do psiquismo. Sendo assim, a parcela da pulsão de morte voltada para fora caracteriza-se como sadismo, transformando-se em violência e destrutividade. A que está voltada para dentro, se apresenta como masoquismo e, consequentemente, autodestrutividade (BIRMAN, 1988).
O caso Dora, descrito em “Fragmento da análise de um caso de histeria”, de 1905, foi o primeiro tratamento psicanalítico significativo realizado por Freud, em que a paciente se queixava de distúrbios nervosos que manifestavam enxaquecas, tosse convulsiva, afonia, depressão e tendências suicidas, associadas à aversão que sentia dos homens. Tal aversão teve origem em uma situação traumática ao ter sido seduzida por um homem quando era pré-adolescente, o que desencadeou uma desordem histérica.
Os sintomas histéricos que apresentava se referem a desejos reprimidos que tinha pelo homem que lhe seduzira, pois havia uma ambivalência de sentimentos de amor e ódio envolvidos. Dora também vivenciou situações que envolviam questões sexuais desde muito nova, desencadeando comportamentos masturbatórios desde os 12 anos de idade, fantasias sexuais infantis e impulsos sexuais dirigidos ao pai. Para Freud, a cura de Dora era dependente de sua consciência e aceitação de suas fantasias e impulsos sexuais e agressivos infantis, os quais originaram seus sintomas histéricos (FREUD, 1996).
O caso do “Pequeno Hans”, abordado em “Análise de uma fobia em um menino de cinco anos”, de 1909, retrata o caso clínico de um menino que estava apresentando uma fobia de cavalos e outros animais de porte grande, relacionada ao medo e ansiedade desencadeados pela ameaça de castração e perda da mãe, seu objeto libidinal, respectivamente. Seu afeto pela mãe, sugere uma aspiração libidinal recalcada, o que desencadeou sua ansiedade. A partir disso, a libido se transforma e dá origem à ansiedade, a qual precisa encontrar um objeto substituto, constituindo o material da fobia (FREUD, 1996).
De acordo com Adler, em uma conferência no ano de 1908 intitulada “A pulsão de agressão na vida e na neurose”, poderia haver uma pulsão de agressão. Segundo ele, toda pulsão se origina da atividade de um órgão, sendo que os órgãos inferiores exercem maior influência na formação das neuroses, uma vez que esses órgãos apresentam uma pulsão mais forte.
Sendo assim, a confluência entre a pulsão de agressão e a pulsão sexual, culminaria em sadismo. Como todas as pulsões, a pulsão de agressão pode acessar a consciência de forma natural ou sublimada, bem como ser revertida em seu contrário quando inibida por outra pulsão, podendo também voltar-se contra o próprio sujeito ou deslocar-se para outro lugar (KAUFMANN, 1996). Para Freud a premissa de Adler é válida, mas critica alguns de seus argumentos; corrige afirmando que a pulsão de agressão refere-se à própria libido.
Outra correção que faz é a associação feita entre a pulsão de agressão e o sadismo, uma vez que considera o sadismo como uma forma particular da pulsão de agressão, não sua forma total, a qual visa o sofrimento alheio. A pulsão faz com que o indivíduo torne-se inquieto devido a uma necessidade não satisfeita, uma vez que busca pelo prazer e algo de ativo, ou seja, a própria libido, a qual está totalmente ligada à possibilidade de obtenção de prazer. A partir dessa conclusão, Adler considerou a angústia como um estádio da pulsão de agressão transformada que se volta contra o sujeito, gerada devido a repressão da pulsão de agressão e explicada pelo recalcamento dessas tendências agressivas.
Entretanto, para Freud, a angústia trata- se de um estádio da libido insatisfeita, desconsiderando a generalização aplicada a uma pulsão especialmente agressiva, uma vez que toda pulsão pode tornar-se agressiva, sob influência da libido sexual. A partir dessas conclusões, Freud concebe a noção de pulsão de morte com base na teoria da pulsão de agressão de Adler (KAUFMANN, 1996).
A pulsão de morte atua em oposição à pulsão de vida, havendo uma polaridade no amor direcionado ao objeto: o amor sob forma de ternura e ódio sob forma de agressão. De qualquer forma, a pulsão sexual manifesta um elemento sádico, podendo tornar-se uma perversão e apoderar-se da vida sexual do sujeito. A pulsão de vida (amor) tem por objetivo a conservação da vida, entretanto o sadismo se manifesta como pulsão de morte (agressão), a partir da libido narcísica que exerce sobre o objeto, ou seja, essa tendência sádica se coloca a serviço da função sexual, uma vez que a posse amorosa coincide com a destruição do objeto na fase oral da libido.
Posteriormente, na fase genital, a tendência sádica se torna autônoma e tem como objetivo principal do amor a procriação; o sadismo se dá, então, na intenção do indivíduo em apoderar-se e dominar o objeto por meio do ato sexual. Outra forma de pulsão de morte é quando a agressão se volta para o próprio sujeito (masoquismo), caracterizada como uma pulsão parcial complementar do sadismo voltado para o eu. Porém, o retorno da tendência sádica do objeto para o eu apresenta a mesma orientação do eu para o objeto, como um retorno a uma fase anterior dessa tendência – uma reversão (KAUFMANN, 1996).
Com base na noção de destruição, Freud (1996) associa a agressão com uma teoria geral das pulsões, em “O ego e o id”, de 1923:
Parece que, em resultado da combinação de organismos unicelulares em formas multicelulares de vida, o instinto de morte da célula isolada pode ser neutralizado com sucesso e os impulsos destrutivos desviados para o mundo externo, mediante o auxílio de um órgão especial. Esse órgão especial pareceria ser o aparelho muscular; e o instinto de morte pareceria, então, expressar-se – ainda que, provavelmente, apenas em parte – como um instinto de destruição dirigido contra o mundo externo e outros organismos (FREUD, 1996, p. 24).
Pode-se considerar que ao passo em que há uma mistura entre ambas as pulsões, existe também uma separação: na pulsão sexual o elemento sádico exemplifica a mistura das duas pulsões, enquanto o sadismo expresso em forma de perversão demostra a dissociação entre elas. De qualquer modo, a tendência destrutiva trabalha a favor da pulsão de vida, o que concebe a noção de uma pulsão de agressão, a qual visa a destruição (FREUD, 1996).
A agressividade é abordada na teoria freudiana em vários textos, como no complexo de Édipo, onde se manifesta de forma ambivalente por meio do amor e ódio, bem como na transferência negativa, na resistência, na perversão sadomasoquista, nos aspectos sádicos das fases pré-genitais, entre outros. Antes de 1920 não existia o termo agressividade, tampouco uma pulsão de agressão. Entretanto, os fenômenos da agressividade, do sadomasoquismo e do ódio eram entendidos a partir da teoria abordada em “Os instintos e suas vicissitudes”, de 1915. O conceito de pulsão de morte não só dá origem ao que chamamos de agressividade, mas também ao entendimento de que a agressividade se dá, em primeira instância, contra o próprio sujeito (masoquismo primário), a qual se encontra retida em si antes de ser externalizada (sadismo). Sendo assim, o sadomasoquismo se origina a partir do elo entre as duas pulsões, desencadeadas a partir da pulsão sexual (LAPLANCHE, 1985).
A pulsão apresenta uma estreita relação com o estímulo, embora não devam ser igualados, pois o instinto trata-se de um estímulo aplicado à mente, como Freud aborda em “Instintos e suas vicissitudes”, de 1915. Sendo assim, é preciso diferenciar pulsionais de estímulos fisiológicos que atuam sobre a mente. O estímulo pulsional tem origem interna ao organismo, atuando de maneira específica sobre a mente e demandando de recursos singulares para removê-lo. A essência de um estímulo é encoberta e atua de acordo com um impacto único, podendo ser removido por uma única ação correspondente. A força com que a pulsão atua sobre o psiquismo é constante, agindo até que o estímulo seja eliminado, ou seja, por se tratar de um fenômeno interno, é impossível fugir dele. “O melhor termo para caracterizar um estímulo instintual seria “necessidade”. O que elimina uma necessidade é a “satisfação”. Isso pode ser alcançado apenas por uma alteração apropriada (‘adequada’) da fonte interna de estimulação” (FREUD, 1996, p. 124).
A partir desta constatação, fica claro que a finalidade de uma pulsão é sempre a satisfação, a qual é obtida somente a partir da eliminação da fonte de estimulo. Embora seja imutável a finalidade de uma pulsão, este pode apresentar diferentes caminhos que conduzam à mesma finalidade, ainda que se trate de pulsões inibidos, estes podem ser parcialmente satisfeitos desta maneira. A finalidade de um instinto é atingida por meio de um objeto, sobre o qual foi transferida a possiblidade de satisfação. Vale ressaltar que um mesmo objeto pode servir para satisfazer diferentes instintos simultaneamente.
Com relação a fonte de uma pulsão, Freud afirma ser:
O processo somático que ocorre num órgão ou parte do corpo, e cujo estímulo é representado na vida mental por um instinto. […] O estudo das fontes dos instintos está fora do âmbito da psicologia. Embora os instintos sejam inteiramente determinados por sua origem numa fonte somática, na vida mental nós os conhecemos apenas por suas finalidades. O conhecimento exato das fontes de um instinto não é invariavelmente necessário para fins de investigação psicológica; por vezes sua fonte pode ser inferida de sua finalidade (FREUD, 1996, p. 128-129).
As pulsões são todas semelhantes no que se refere a qualidade, e seus efeitos se associam a quantidade de excitação que apresentam, bem como a função de tal quantidade. Os efeitos mentais produzidos pelas diferentes pulsões se distinguem com base em suas variadas fontes. Sendo assim, é possível classificar as pulsões em dois grupos, considerando a existência de pulsões primordiais em detrimento de quais outros possam existir: os instintos do ego, relacionados a autopreservação; e os instintos sexuais, associados a questões biológicas (FREUD, 1996).
Ainda no texto “Os instintos e suas vicissitudes”, é abordada uma questão fundamental para compreender a agressividade: “se o objeto se torna uma fonte de sensações agradáveis, estabelece-se uma ânsia (urge) motora que procura trazer o objeto para mais perto do ego e incorporá-lo ao ego” (FREUD, 1996, p. 141).
Já a polaridade amor-ódio, presente na teoria das pulsões, representa a polaridade prazer-desprazer, onde o ódio está estritamente ligado ao desprazer, podendo ser compreendido da seguinte forma:
O ego odeia, abomina e persegue, com intenção de destruir, todos os objetos que constituem uma fonte de sensação desagradável para ele, sem levar em conta que significam uma frustração quer da satisfação sexual, quer da satisfação das necessidades autopreservativas. Realmente, pode-se asseverar que os verdadeiros protótipos da relação de ódio se originam não da vida sexual, mas da luta do ego para preservar-se e manter-se (FREUD, 1996, p. 142-143).
O texto “Os três ensaios sobre a teoria da sexualidade”, escrito por Freud em 1905, pode ser considerado como o discurso da pulsão, pois diferencia o desejo de pulsão: enquanto o primeiro precisa realizar-se, o segundo necessita satisfazer-se, no que se refere ao âmbito sexual, propriamente dito.[
Posteriormente, entre 1910 e 1915, Freud formulou uma teoria das pulsões, onde estabelece uma relação dualista entre uma pulsão sexual e uma pulsão do ego, considerando que “enquanto a energia da pulsão sexual é a libido e seu objetivo é a satisfação, as pulsões do ego colocariam sua energia (“interesse”) a serviço do ego, visando à autoconservação do indivíduo e opondo-se, dessa forma, às pulsões sexuais”. Entretanto, a oposição entre a pulsão sexual e as pulsões do ego foram deixadas de lado com base no conceito de narcisismo, o qual permite concluir que a libido investida no objeto poderia ser direcionada ao próprio ego, o que podemos chamar de libido narcísica (GARCIA- ROZA, 1985, p. 109).
De acordo com a releitura do conceito de pulsão de Roudinesco e Plon (1998), a pulsão refere-se a carga energética responsável pela origem da atividade motora do organismo e do funcionamento inconsciente do psiquismo do indivíduo. Freud empregou o termo em 1905, a fim de estabelecer uma diferença entre instinto e tendência, uma vez que o instinto refere-se aos comportamentos animais e a pulsão uma característica específica do psiquismo humano. Em 1910, definiu o conceito de pulsão da seguinte forma:
Por pulsão, antes de mais nada, não podemos designar outra coisa senão a representação psíquica de uma fonte endossomática de estimulações que fluem continuamente, em contraste com a estimulação produzida por excitações esporádicas e externas. A pulsão, portanto, é um dos conceitos de demarcação entre o psiquismo e o somático (FREUD apud ROUDINESCO e PLON, 1998, p. 629).
A partir desta definição, Freud se propôs a estabelecer uma diferenciação entre pulsão sexual e instinto sexual, uma vez que a primeira não se trata simplesmente da atividade sexual, as quais seguem um repertório baseado em seus objetivos e objetos, mas refere-se a um impulso, cuja energia é constituída pela libido.
Assim, Freud estabelece a existência de duas formas de pulsões, as sexuais e as relacionadas à satisfação das necessidades primárias: as sexuais possuem energia libidinal e as pulsões de autoconservação visam a conservação do indivíduo, sendo também chamada de pulsão do ego, que também atuam na defesa do ego contra sua invasão pelas pulsões sexuais.
Em 1911, no texto “Formulações sobre os dois princípios do funcionamento psíquico”, Freud classifica esses dois grupos pulsionais com base na forma de funcionamento do aparelho psíquico: as pulsões sexuais estão associadas ao princípio de prazer, ao passo em que as pulsões do ego participam do desenvolvimento do psiquismo, com base no princípio de realidade (ROUDINESCO e PLON, 1998).
Ao longo do desenvolvimento do indivíduo, a pulsão percorre por várias transformações, o que a leva a diversos destinos, uma vez que não pode ser inibida ou destruída, pois busca a obtenção de satisfação por meios coercitivos – ato de coagir ou de forçar pela intimidação, pela força ou pela violência.
A satisfação não se dá de maneira direta e imediata, devido à censura, ela precisa se modificar e se manifestar de forma indireta. Sendo assim, os destinos da pulsão podem ser caracterizados como uma forma de defesa, e serão definidos a partir dos representantes psíquicos da pulsão (GARCIA-ROZA, 1985).
Os representantes psíquicos da pulsão são divididos em ideativo e afeto, e agem de acordo com mecanismos de transformação distintos. Os destinos do representante ideativo são: reversão ao seu oposto, retorno ao próprio eu, recalcamento e sublimação. Os destinos do afeto se dão a partir de três mecanismos: transformação do afeto (histeria de conversão); deslocamento do afeto (obsessão); troca de afeto (neurose de angústia e melancolia). Vale ressaltar que a distinção dos representantes psíquicos da pulsão serve apenas para compreender que possuem destinos diferentes, embora sofram influência um do outro (GARCIA-ROZA, 1985).
O percurso da pulsão pode ser melhor compreendido a partir do entendimento de cada vicissitude. A primeira, a reversão ao seu oposto, refere-se à alteração do objetivo da pulsão (de ativo para passivo) ou do conteúdo da pulsão (de amor para ódio).
A segunda, o retorno da pulsão ao próprio indivíduo, onde somente o objeto é alterado, mas visando o mesmo objetivo. Para melhor compreensão da reversão do objetivo e do objeto, é preciso analisar os dois pares de opostos envolvidos – sadismo- masoquismo e voyuerismo-exibicionismo.
A transformação que ocorre no sadismo- masoquismo segue uma ordem: inicialmente, o sadismo caracteriza-se por meio de atos violentos e de poder sobre outra pessoa enquanto objeto; posteriormente, o objeto torna-se o próprio eu (mudança do objeto) e o objetivo muda de ativo para passivo. Por fim, o indivíduo busca outra pessoa como objeto para exercer a violência contra si, caracterizando o masoquismo (GARCIA-ROZA, 1985).
Freud concebeu as pulsões como algo que estabelece um limite entre o somático e o psíquico, considerando que as pulsões possuem quatro fatores fundamentais: uma fonte, uma força, uma finalidade e um objeto. A fonte tem origem nas excitações corporais, a fim de suprir as necessidades de sobrevivência. A força refere-se à quantidade de energia psíquica despendida para sua satisfação. A finalidade envolve a descarga da excitação que visa o retorno ao equilíbrio psíquico. O objeto é o depósito da descarga da tensão interna oriunda da excitação corporal (ZIMERMAN, 2007).
Outras características das pulsões, de acordo com Zimerman (2007) são: o deslocamento, o intercâmbio, a compulsão à repetição e as transformações. As transformações das pulsões ocorrem por meio de fenômenos como a sublimação, dos mecanismos de defesa do ego e, principalmente, em fantasias inconscientes, as quais podem surgir como ansiedade.
Para compreender de maneira mais clara e sucinta a origem das pulsões, Zimerman (2007) retoma os escritos de Freud e Lacan e os explica da seguinte forma:
As necessidades iniciais de sobrevivência física e psíquica, quando satisfeitas com um acréscimo de prazer e gozo, podem ser transformadas em desejos (de repetir experiências gratificatórias), ou em demandas, em cujo caso trata-se de desejos insaciáveis, porquanto visam preencher enormes vazios afetivos (ZIMERMAN, 2007, p. 118).
Sendo assim, o conceito de pulsão foi considerado por Freud o eixo central da teoria psicanalítica, pois se relaciona à necessidade de sobrevivência, considerando o desejo como “um impulso que visa repetir experiências nas quais já tenha previamente havido a satisfação de alguma necessidade” (ZIMERMAN, 2007, p. 118). Winnicott (1979) aborda as raízes da agressividade considerando os sinais apresentados desde a infância, como mordidas, gritos, tapas e puxões, comportamentos que revelam impulsos agressivos ou destrutivos. “Em poucas palavras, a agressão tem dois significados. Por um lado, constitui direta ou indiretamente uma reação à frustração. Por outro lado, é uma das muitas fontes de energia de um indivíduo” (WINNICOTT, 1979, p. 262).
Embora se trate de um indivíduo em desenvolvimento, uma vez que a criança passa por períodos de evolução contínua, todos os indivíduos se assemelham, apresentando características comuns pertencentes a natureza humana em qualquer faixa etária, independente de fatores genéticos e ambientais, como explica Winnicott (1979) com a seguinte afirmação:
Quero dizer, existem certas características na natureza humana que podem encontrar-se em todas as crianças e em todas as pessoas de qualquer idade; uma teoria compreensiva do desenvolvimento da personalidade humana, desde os primeiros anos da infância até a independência adulta, seria aplicável a todos os seres humanos, independentemente de sexo, raça, cor da pele, credo ou posição social. As aparências podem variar, mas existem denominadores comuns nos problemas humanos. Uma criança pode tender para a agressividade e outra dificilmente revelará qualquer sintoma de agressividade, desde o princípio; todavia, cada uma delas tem o mesmo problema. Trata-se, simplesmente, de que as duas crianças estão manobrando de maneiras distintas suas respectivas cargas de impulsos agressivos (WINNICOTT, 1979, p. 262).
É possível observar que o início da agressividade ocorre na infância, de acordo com a premissa de Winniccott (1979), podendo considerar a presença da agressividade também na vida intrauterina, considerando que o bebê realiza movimentos bruscos em seu processo evolutivo durante a gestação. Esses movimentos representam a tendência das crianças em movimentar-se a fim de obter um prazer muscular. Na fase inicial, esses comportamentos agressivos não apresentam intuito de ódio, uma vez que a criança não tem noção do significado de tais ações, representam simples impulsos geradores de movimento e exploração do mundo, a agressividade se desenvolverá progressivamente seguindo o curso evolutivo do ser humano, que ocorre da seguinte forma:
Acompanhando essa característica, poderíamos descrever o desenvolvimento de uma criança anotando a progressão desde um simples movimento até as ações que exprimem cólera, ou os estados que denunciam ódio e controle do ódio. Poderíamos continuar a descrever a maneira como a pancada acidental converte-se num golpe com a intenção de causar dano e, a par disto, poderemos encontrar uma proteção do objeto que é simultaneamente amado e odiado. […] Podemos compreender que essas primeiras pancadas infantis levam a uma descoberta do mundo que não é o eu da criança e ao começo de uma relação com objetos externos. (WINNICOTT, 1979, p. 263).
Sendo assim, a agressividade está ligada à diferenciação entre o eu e o outro, o interno e o externo.
Para Winnicott (1979) a agressividade pode se apresentar de maneira evidente ou encoberta, se mostrando a partir dos impulsos sob forma oposta, o que torna relevante considerar os antagônicos da agressão, uma vez que “a par do amor, devemos esperar algo que nos magoe. Na assistência infantil verificamos que as crianças tendem a amar a coisa que agridem” (WINNICOTT, 1979, p. 269).
Podemos considerar como exemplo o atrevimento ou a timidez em uma criança A primeira manifesta a agressividade de forma evidente, a fim de obter alívio, por meio da hostilidade, o que é possível por se tratar de algo limitado e consumível. A segunda expressa uma tendência para encontrar a agressividade, embora não obtenha êxito, o que a faz esperar por sucessivas dificuldades, as quais envolvem a concepção de seus impulsos agressivos controlados (recalcados) na agressão alheia, alimentando um quadro patológico, pois esta busca pode esgotar-se, desencadeando o surgimento de ilusões a fim de suprimir seus impulsos agressivos.
De acordo com Winnicott (1979) o que desencadeia o impulso agressivo é o objeto, que no caso de um bebê seria o corpo materno, o qual lhe concede o alimento, incitando a vontade de morder e mastigar a fim de saciar sua fome. Assim, o alimento seria uma espécie de símbolo do objeto, fazendo com que a ingestão de qualquer alimento lhe traga prazer e satisfação. Portanto, a agressividade é inerente à infância, mas necessita de mecanismos para controlar esses impulsos, direcionando-os a tarefas construtivas como brincar, amar, viver e, na vida adulta, trabalhar. Entretanto, “é tudo muito complicado e é preciso bastante tempo para que um bebê controle as ideias e excitações agressivas, sem perder a capacidade para ser agressivo em momentos apropriados, seja no ódio ou no amor” (WINNICOTT, 1979, p. 269).
DISCUSSÃO
O primeiro aspecto em comum entre a ansiedade e a agressividade, a ser considerado, se refere às pulsões. Em ambos os casos, as pulsões exercem uma influência significativa em suas origens.
A ansiedade é abordada na psicanálise como um sintoma em que o indivíduo teme a repetição de uma situação traumática de desamparo que vivenciou anteriormente, desamparo este associado ao desprazer, tendo a ansiedade como função de autopreservação do indivíduo.
O perigo temido na ansiedade refere-se à perda do objeto (desprazer) como apontou Freud (1996) em seu texto “Inibições, sintomas e ansiedade”, retomado por Lacan (1992), Kaufmann (1996), Zimerman (2007), Roudinesco e Plon (1998). Assim como na ansiedade, onde o indivíduo tende a evitar o desprazer, também o é na agressividade, uma vez que as pulsões visam a busca por satisfação e a esquiva do desprazer, considerando que a finalidade de uma pulsão só é atingida por meio de um objeto, sobre o qual é transferida a possiblidade de satisfação, como afirmam Freud (1996), Winnicott (1979), Zimerman (2007), Garcia-Roza (1985), Roudinesco e Plon (1998), Laplanche (1985) e Kaufmann (1996).
Freud (1996) relacionou a ansiedade à formação do sintoma, argumentando que a ansiedade se manifesta por meio do sintoma, uma vez que ele se apresenta como um meio de evitar a geração de ansiedade, ou seja, ela é substituída pela formação de um sintoma. O sinal de ansiedade põe em ação o princípio de prazer- desprazer, a fim de fazer com que o ego se proteja da situação desprazerosa, uma vez que o ego é a fonte da ansiedade, como apontam Freud (1996), Lacan (1992) e Kaufmann (1996).
Entretanto, Lacan (1992) se aprofunda na relação entre a ansiedade e o objeto, sugerindo que embora o ego queira se proteger da situação desprazerosa, ao mesmo tempo essa situação o aproxima do objeto de desejo, fazendo com que o sintoma tenha uma função específica: o sinal de angústia tem a função de advertir o sujeito, comunicar-lhe algo, a fim de impulsioná-lo a ir em busca do objeto de desejo e permanecer próximo a ele por meio de uma relação permanente.
O objeto da fobia refere-se a um significante, ou seja, “um elemento significativo da história do sujeito que viria a mascarar sua angústia fundamental” (LACAN apud ROUDINESCO e PLON, 1998, p. 244). O objeto significante tem origem em uma sintomatologia neurótica, o qual protege o desejo, garantindo que este não desapareça, característica da histeria ou neurose obsessiva.
É possível constatar que o objeto é um aspecto primordial no que se refere à relação entre a ansiedade e a agressividade, uma vez que envolvem o medo de perdê- lo, considerando que essa perda está ligada ao desprazer, o qual o ego visa evitar. Tal afirmação está de acordo com todos os autores abordados.
Zimerman (2007) afirma que a ansiedade se origina a partir de traumas sofridos na infância, os quais geram um estado de desamparo no indivíduo. Esses traumas envolvem a violência, manifestada por meio da agressividade destrutiva, a qual ocorre por meio da “inter-relação entre o estado de desamparo e a consequente reação de violência, tanto em termos individuais, como também coletivos e sociais” (ZIMERMAN, 2007, p. 114).
A partir desta concepção, é possível imaginar que um indivíduo acometido por um trauma, que lhe gerou desamparo e ansiedade, consequentemente, tende a reagir de maneira violenta e expressá-la por meio de uma agressividade destrutiva. Isso é bem explicado no argumento proposto pelo autor:
A noção de “trauma” conserva a ideia de que se trata de um conceito essencialmente econômico da energia psíquica: uma frustração frente à qual o ego sofre uma injúria psíquica, não consegue processá-la e recai num estado no qual sente-se desamparado e atordoado (ZIMERMAN, 2007, p. 113).
É possível encontrar referência em Freud (1996) de tal afirmação, quando ele diz que o trauma gerou desamparo e desencadeou o medo frente a possibilidade de uma situação de perigo semelhante se repetir e que faz com que o ego precise se proteger. E de acordo com Roudinesco e Plon (1998) ansiedade gera uma fobia, um terror frente a um objeto, uma pessoa ou uma situação.
A agressividade segundo Laplanche e Pontalis (2001) envolve tendências que visam prejudicar o outro por meio de comportamentos que envolvem a destruição, humilhação e constrangimento para com o outro, ou seja, o objeto.
A agressividade se dá, em primeira instância, contra o próprio sujeito, a qual se encontra retida em si antes de ser direcionada ao objeto. Sendo assim, a agressividade voltada ao externo se origina a partir do elo entre as duas pulsões, desencadeadas a partir da pulsão sexual, a qual está estritamente associada ao objeto (LAPLANCHE, 1985).
De acordo com Kaufmann (1996) a ansiedade faz referência ao desprazer, associado a um estado de afeto, “provocado por um acréscimo de excitação que tenderia ao alívio por uma ação de descarga” (p. 36). É possível que essa descarga a qual o autor se refere se associe à expressão por meio da agressividade, considerando que o objeto seria o depósito da descarga da tensão interna oriunda da excitação corporal segundo Freud (1996) e Zimerman (2007).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A ansiedade e a agressividade são temas bastante relevantes na teoria psicanalítica, e por meio desta pesquisa foi possível compreender melhor o conceito de cada um, bem como estabelecer uma relação entre ambos. Os pontos em que se correlacionam dizem respeito às pulsões, que envolvem a busca por satisfação e a obtenção de prazer por meio de um objeto. Na ansiedade o indivíduo sofreu um trauma gerado pelo desamparo devido à perda do objeto, o que, consequentemente, lhe trouxe desprazer. Na agressividade o indivíduo busca pela satisfação a fim de obter prazer, o que só é possível por meio do objeto. Ambas envolvem o medo de perdê-lo, considerando que essa perda está ligada ao desprazer, o qual o ego visa evitar. A ansiedade sinaliza um perigo próximo para preparar o ego para defender-se da possível perda do objeto, assim como na agressividade de caráter de pulsão de vida.
Há indícios de que um indivíduo que sofre de ansiedade possa manifestar agressividade, se considerarmos que este fora acometido por um trauma, que lhe gerou desamparo e ansiedade, consequentemente, tende a reagir de maneira violenta e expressá-la por meio de uma agressividade destrutiva (pulsão de morte), como foi abordado pelos autores supracitados.
É possível conceber, desta forma, a ideia de que a ansiedade e a agressividade coexistem, visto que partem do mesmo princípio prazer-desprazer.
Há muito ainda o que se estudar acerca da ansiedade e da agressividade, visto que são conceitos bastante amplos e complexos. Sendo assim, torna-se relevante realizar mais estudos que abordem tais questionamentos a fim de se chegar a um resultado mais fidedigno.
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